As normas cambiais brasileiras vêm se modificando drasticamente ao longo dos últimos anos. Tudo isso, certamente, com vistas a se adequar ao contexto econômico do momento.
Já passamos pelo câmbio totalmente livre, sem qualquer restrição. Isso até 1933, quando, então, Vargas fez publicar o ainda sobrevivente Dec. nº 23.258, que, à época, instituiu a figura da sonegação de cobertura cambial, estabelecendo multa de até 200% sobre as receitas de exportações brasileiras não ingressadas no País. Vale ressaltar que essa figura deixa de existir com a edição da MP nº 315/06, que resulta na Lei nº 11.371, do mesmo ano.
Portanto, ao longo dos anos, em decorrência da escassez de divisas por que passou o Brasil, nossas regras para remessas do País para o exterior sempre se pautaram pela sua característica restritiva.
Somente com a virada do milênio é que o mundo começa a viver um período sem crises e há um ajustamento da economia mundial. Observe-se que o Brasil, ainda na década de 90, também fez a sua lição de casa. Assim, a combinação desses dois fatores permitiu ao País promover uma radical e contínua desregulamentação na legislação sobre câmbio e capitais internacionais.
Num primeiro momento, foi promovida, pelo Banco Central do Brasil – executor da política cambial do País -, uma desregulamentação infralegal. A antiga Consolidação das Normas Cambiais (CNC) deu lugar ao atual Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI). Um regulamento leve e objetivo, que trata das operações muito menos pelos seus procedimentos burocráticos e muito mais pelos seus princípios.
Hoje, quase tudo é permitido em termos de recebimentos e pagamentos internacionais. Certamente, há que se respeitar o “quase”! Nesse sentido, recomenda-se a leitura de brilhante matéria de capa do Sem Fronteiras, do mês passado – Ordem de pagamento em reais -, em que são encontradas declarações do gerente-executivo de Normatização de Câmbio e Capitais Estrangeiros do Banco Central do Brasil, Geraldo Magela Siqueira.
Os princípios básicos que orientam as operações estão contidos logo no início do já citado RMCCI: “As pessoas físicas e as pessoas jurídicas podem comprar e vender moeda estrangeira ou realizar transferências internacionais em reais, de qualquer natureza, sem limitação de valor, sendo contraparte na operação agente autorizado a operar no mercado de câmbio, observada a legalidade da transação, tendo como base a fundamentação econômica e as responsabilidades definidas na respectiva documentação.” Complementando, o RMCCI prevê que esses princípios se aplicam, também, “às compras e às vendas de moeda estrangeira por pessoas físicas ou jurídicas, residentes, domiciliadas ou com sede no País, para fins de constituição de disponibilidade no exterior e do seu retorno, bem como às operações de ‘back to back’”.
Como todas as operações devem ter como contraparte um agente autorizado a operar no mercado de câmbio – um banco ou uma corretora de câmbio, por exemplo -, a este, conforme também prevê o Regulamento, cabe “certificar-se da qualificação de seus clientes, mediante a realização, entre outras providências julgadas pertinentes, da sua identificação, das avaliações de desempenho, de procedimentos comerciais e de capacidade financeira”.
Coroando essas modificações infralegais, é publicada a já citada Lei nº 11.371/06, que, dentre outras modificações, permite que exportadores mantenham no exterior as receitas de suas exportações. E que essas disponibilidades possam ser utilizadas, especialmente para pagamento de suas obrigações no exterior.
Considerados todos esses avanços, especialmente os ocorridos na década passada, verificamos uma quase ausência de restrições.
Vejamos alguns avanços somente no âmbito do comércio exterior:
1. As exportações e as importações brasileiras podem ser realizadas para pagamento em qualquer moeda, inclusive em reais.
2. As operações podem ser liquidadas em qualquer moeda, inclusive em moeda diferente daquela indicada nos respectivos documentos.
3. As pessoas físicas e jurídicas podem constituir disponibilidades no exterior – não só os exportadores – e tais disponibilidades podem ser utilizadas, também, para pagamento de suas obrigações no exterior.
4. Nos termos de acordo firmado com a Argentina, é possível realizar operações na moeda do país exportador, nos termos do Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML). Os bancos centrais do Brasil e do Uruguai já concluíram as negociações para adoção desse sistema. Cogita-se que isso possa ocorrer também com a China, Índia e Rússia.
Em resumo, pode-se afirmar que não há restrição da legislação nacional quanto à escolha da moeda e à realização das transferências do ou para o exterior, desde que respeitados os princípios gerais aqui elencados e, se houver, a legislação e regulamentação específica para certas operações.